terça-feira, 2 de agosto de 2011

CIÊNCIA E CÓDIGO FLORESTAL - Resposta à Matéria Postada em Julho 20, 2011 – “Ciência de Apenas Um Estudo Baseou Alterações No Código Florestal”

“Ciência de apenas um estudo baseou alterações no Código Florestal”

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Esclarecimentos do autor do estudo:

No dia 15 de julho de 2011, apresentei uma palestra na 63a Reunião da SBPC, em Goiânia. Ela se intitulava “Novas Geotecnologias e o Ordenamento Territorial”, e minha intenção era apresentar poderosas ferramentas tecnológicas, hoje disponíveis para o mapeamento de terrenos. Mapeamentos acurados de terrenos são ingredientes básicos necessários para orientar o ordenamento territorial. E de fato ocupei mais da metade do tempo da palestra apresentando tais tecnologias e suas aplicações, que tem o potencial de resolver os falsos dilemas entre agricultura e conservação. Essa palestra ilustrou o que foi apresentado no Anexo I do livro O Código Florestal e a Ciência publicado pela SBPC e ABC em abril deste ano (Novas tecnologias geoespaciais para apoiar o ordenamento territorial, I aqui, II aqui, III aqui, IV aqui e V aqui). A cobertura jornalística simplesmente ignorou essa parte mais importante e cerne da minha apresentação. Ao invés, o jornalista focou de modo lamentavelmente sensacionalista na última parte da apresentação.

Porque então incluí no final da palestra as críticas ao estudo do grupo de Evaristo Miranda? Achei pertinente ao diálogo e ao interesse da Nação agregar à minha apresentação uma análise acessória que havíamos feito das áreas ripárias, de acordo com o prescrito pelo código florestal. Nesta análise, empregamos método inovador para localizar os terrenos brejosos (publicado em Nobre et al, 2011 aqui e Rennó et al, 2008 aqui), e agregamos uma abordagem nova, capaz de determinar onde estariam as faixas ripárias definidas pelo Código Florestal. Adicionamos uma variante destas medidas com a avaliação do impacto em área decorrente da redução de 30 m para 15 m nas faixas ripárias para rios até 5 m de largura (uma proposição que existia numa das versões do substitutivo Aldo Rebelo). E para terminar, procuramos simular o método empregado no estudo de Miranda et al (2008) para determinar áreas ocupadas com APP ripária. A forma como apresentei esta ultima parte privilegiou a apresentação dos métodos e dos números, mas não poupou críticas diretas ao estudo de Miranda e a forma como vejo suas conseqüências para as alterações propostas no Código Florestal. E foi nestes poucos momentos dedicados às comparações com o estudo de Miranda que o foco da matéria foi colocado. Apesar de todas as criticas formuladas terem embasamento científico, ainda a melhor crítica sempre sai do embate de números propriamente qualificados.

Embora a apresentação como fora feita passasse uma mensagem completa, com ênfase na parte propositiva de entrada, e uma pequena análise crítica no final, infelizmente as críticas ao trabalho Miranda et al (2008) acabaram inchadas na retratação jornalística. Então agrego aqui algumas explicações adicionais àquela crítica, na esperança que surtam o efeito saudável de trazer o principal à luz do diálogo, e também que possamos olhar para a frente, deixando para a história o registro do que passou. No diálogo, diferente do debate ou do embate, não existem vencedores ou perdedores. Se soubermos escutar, e colocarmos nossos pontos de vista com respeito e consideração, todos ganham.

1) É inegável que o trabalho de Miranda teve grande impacto no andamento das discussões do Código Florestal, e isso é mérito dele, de sua equipe e de seu estudo pioneiro pela abrangência. O que o Brasil precisa é que os avanços da ciência iluminem a discussão para além do que Miranda et al (2008) fizeram, e isso infelizmente não tem ocorrido, daí minhas críticas. Vale registrar que no próprio trabalho de Miranda et al (2008) encontram-se várias menções a necessidade de progresso nas análises, e que aquelas eram análises iniciais, que seriam feitas atualizações. Que eu saiba não houveram atualizações daquele grupo. O que fizemos foi seguir essa proposta, de buscar aperfeiçoamentos. E muitos outros estudos, listados em parte na revisão feita pela SBPC e ABC (aqui), já avançaram para além do que fora feito no estudo de Miranda et al (2008). No entanto não estão sendo considerados no âmbito das discussões sobre o Código Florestal no Congresso.

2) Nosso trabalho de avaliação das áreas ripárias está em preparação para publicação, e é baseado em método já publicado (Nobre et al 2011 e Rennó et al 2008). É comum que congressos científicos prestem-se como fóruns avançados para apresentação dos mais novos resultados de pesquisa, inclusive aqueles de pesquisa em desenvolvimento ou no prelo. A apresentação em meio científico demonstra abertura e convida para crítica dos pares. E não menos importante, informa a sociedade em tempo hábil, já que o processo de publicação em revistas cientificas é normalmente lento, podendo demorar varios meses.

3) - Em 2011 - a crítica que fiz na palestra refere-se a um trabalho - terminado em 2008 - (Miranda et al) e ainda não devidamente publicado - em 2011- (em revista com corpo editorial em geociências). O fundamento desta crítica tem a ver com a inexplicável omissão de partes importantes da metodologia empregada por Miranda et al (2008), uma ausência somente possível em trabalhos não publicados, já que em geral as revistas científicas exigem metodologia claramente descrita e completa.

4) Elaborei critica qualificada sobre a deficiência de uma metodologia no trabalho de Miranda et al (2008) (cômputo de áreas ripárias), algo que estudamos em detalhe. Miranda et al podem aproveitar essa nossa critica de forma construtiva, revendo seus números. O próprio trabalho deles é preliminarmente bastante crítico quanto as dificuldades metodológicas. Críticas a métodos é pratica comum em ciência, não deveria ser motivo de ofensa e sim deveriam ser aproveitadas para aperfeiçoamentos.

5) A competência efetiva de um número integrador, como o anunciado por Miranda et al em 2008 para a área total indisponível para atividades agrícolas no Brasil (71%) somente se faz pela competência e acerto das partes componentes, que somadas o compõem. Nós examinamos em detalhe um dos principais números componentes do montante por ele anunciado (APP ripária), e constatamos no número dele uma inflação de mais de 300% em relação ao número produzido com método mais aperfeiçoado, calibrado e verificado. Se levarmos esse achado em conta e voltarmos agora ao número integrador, teremos que reduzi-lo, para contabilizar a área menor ocupada por APP ripária. Esse erro signficativo nas áreas ripárias levanta dúvidas sobre métodos empregados para chegar aos demais números que compõem o total integrador daquele estudo.

6) Como a tecnologia para detectar o erro no cálculo das APPs ripárias estava ao alcance de Miranda et al (2008) [imagens de radar SRTM + algoritmo de delineação automática de cursos d’água disponível no ArcInfo + verificação em alguma area teste], e como Miranda et al (2008) até o momento parece não haver se submetido ao crivo de pares para a verificação saudável em ciência, então Miranda et al (2008) tornaram-se cientificamente vulneráveis a críticas como estas. A crítica feita por nosso trabalho não desqualifica o trabalho a priori, ou de forma subjetiva, mas reporta teste independente e substanciado. Como esse estudo em especial tem tido grande influência sobre aspectos vitais das alterações propostas para o Código Florestal, torna-se sua validade ainda mais importante para todos. Outros grupos tem testado outros aspectos do extenso estudo de Miranda et al, e a controvérsia que levanta não é nova.

7) Não obstante, é preciso dar crédito pela iniciativa pioneira em abrangência que representou o estudo do grupo de Evaristo Miranda. É algo vital para uma Nação saber de suas terras, esse conhecimento geoespacial é pré-requisito para a utilização inteligente e responsável de suas paisagens. O estudo deles despertou muitos grupos para a necessidade de mensurarmos nossos recursos, de forma cada vez mais elaborada. E também mostrou a importância e o efeito da ciência engajar-se no debate político. Toda vez que a ciência tiver certeza sobre seus números, ela poderia e deveria a meu ver colocá-los a disposição da sociedade, da forma mais objetiva e neutra possivel. E quando não tiver certeza, os números deveriam ser apresentados com todas as ressalvas que previnissem usos equivocados.

A proposta que fazemos é avançarmos como Nação, utilizando a melhor tecnologia disponível para um mapeamento competente de terrenos, que sirva efetivamente para um ordenamento territorial responsável e inteligente. A ciência tem ferramentas e métodos provados por mais de 500 anos de desenvolvimentos e aperfeiçoamentos contínuos. Da sua adoção sem reservas o Brasil tem lucrado muito em várias áreas críticas para a economia, como no próprio agronegócio. Podemos e precisamos dar um salto qualitativo que nos colocará numa liderança do século 21, através de uma agricultura produtiva e sustentável, sinergisticamente associada à nova economia dos serviços ambientais de ecossistemas naturais. Ninguém discorda destas metas, mas precisamos superar o presente rachado entre os opostos entrincheirados na agricultura ou na conservação ambiental. Eu não quis contribuir para o racha, embora a má qualidade da cobertura jornalística de minha palestra possa ter indicado o contrario. Sem melindres, gostaria de entabular um diálogo científico sério com Evaristo Miranda e seu grupo. As revistas científicas são o fórum apropriado para este diálogo. O Brasil agradecerá.

Postado por Antonio Donato Nobre

----- Original Message -----

From: Luiz Eduardo

Sent: quarta-feira, 20 de julho de 2011 16:57

Subject: [agrisustentavel] Ciência e Código Florestal

http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=78473

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