sábado, 13 de agosto de 2011

A corrida ao fundo do mar

Um grupo de bilionários gasta fortunas para construir submarinos capazes de descer na Fossa das Marianas, o ponto mais profundo dos oceanos

Peter Moon

 divulgação (2), reprodução e Gabriel Bouys/AFP

DISPUTA SUBMARINA
1. O bilionário inglês Richard Branson (à dir. do piloto Chris Welch) mostrou em abril o Virgin Oceanic, submarino de US$ 17 milhões no qual quer descer os 10.911 metros da Fossa das Marianas 2. Ir ao ponto mais fundo do oceano também é a missão do Triton, um submersível de US$ 15 milhões feito numa esfera de vidro 3. Eric Schmidt, o presidente do Google, gasta US$ 40 milhões no Deepsearch, que terá a forma de um torpedo e levará três pessoas ao fundo das Marianas

As últimas fronteiras para a aventura humana parecem estar se esgotando. Alcançar o Polo Sul, no meio da Antártica, não é mais tão exclusivo. Há até corridas que passam por lá. Escalar o Everest, a montanha mais alta do mundo, já virou pacote turístico. As viagens orbitais privadas entraram no roteiro dos milionários, com serviços como o da Virgin Galactic, do magnata britânico Richard Branson. Mas ainda há alguns desafios pendentes. Agora, três dos homens mais ricos e ousados do planeta estão disputando uma corrida inédita rumo a um dos últimos pontos inexplorados da Terra. É o Challenger Deep, o lugar mais fundo dos oceanos. Fica na Fossa das Marianas, um abismo gelado e escuro de 11 quilômetros no Oceano Pacífico, entre o Japão e a Nova Guiné. Na disputa para chegar lá primeiro estão o próprio Branson, além do cineasta canadense James Cameron, de Titanic, e o americano Eric Schmidt, presidente do Google.

A viagem dentro da Fossa das Marianas não é um passeio qualquer. Ali, aonde a luz do sol nunca chega, a temperatura desce até quase zero grau. A pressão da água é de 11 toneladas por centímetro quadrado – equivalente ao peso de dois elefantes africanos concentrado na área de um selo postal. Uma única vez, os humanos se atreveram a desafiar pressão tão esmagadora para fincar uma bandeira no Challenger Deep. Foi em 1960, quando o francês Jacques Piccard e o tenente americano Don Walsh submergiram a bordo do batiscafo Trieste, da Marinha americana. A descida durou cinco horas. Ao tocar o fundo, o Trieste ergueu muito sedimento, tornando a água turva. Piccard e Walsh não conseguiram enxergar nada através da escotilha. Ficaram no local apenas 20 minutos. Ninguém nunca mais voltou.

Agora, Branson quer ser o primeiro. Ele tem experiência em desafios. Depois de lançar grandes astros do rock com a gravadora britânica Virgin nos anos 1970, Branson expandiu o negócio e ganhou fortuna com a companhia de aviação de mesmo nome. Em 2005, criou a Virgin Galactic para oferecer voos orbitais de 15 minutos a passageiros dispostos a pagar US$ 200 mil. Até o momento, 430 milionários já fizeram reserva e aguardam na fila de espera a construção do espaçoporto de Branson, no Estado americano do Novo México. Em abril, Branson apresentou na Califórnia o Virgin Oceanic, um minissubmarino em forma de avião que custou US$ 17 milhões. Foi projetado para levar uma pessoa. O mergulho inaugural está programado para o final do ano, com um piloto profissional. Se o submarino operar com perfeição a grandes profundidades, no início de 2012 será a vez de Branson descer sozinho em duas horas os 11 quilômetros de água até o Challenger Deep, filmando e documentando tudo em 3D e alta definição. A aventura não para aí. Branson quer descer em todos os cinco pontos mais fundos dos cinco oceanos. Além do Challenger Deep, os outros quatro ficam nas fossas de Porto Rico, no Atlântico (8.605 metros); Diamantina, no Índico (8.047 metros); das Ilhas Sandwich do Sul, no oceano austral (7.235 metros); e a Ilha Molloy, no Ártico (5.608 metros). Segundo o jornal The New York Times, depois de conquistar suas façanhas, Branson começará a cobrar US$ 250 mil de qualquer um disposto a descer com um piloto na Fossa das Marianas.

Se Branson já venceu outras corridas, o cineasta Cameron tem vasta experiência em mergulhos ultraprofundos. No início dos anos 1990, durante a produção de Titanic, Cameron usou um minissubmarino russo para descer 4 quilômetros no Atlântico Norte e filmar o transatlântico naufragado. Em 2009, com o sucesso de Avatar, Cameron encomendou a um estaleiro australiano o projeto de um submarino para descer no Challenger s Deep. O projeto está avançado, porém nenhum desenho foi divulgado nem os valores envolvidos. Sabe-se apenas que o submarino terá todos os equipamentos necessários para filmar cenas submarinas em altíssima definição. Cameron diz que o barco servirá para ele se divertir com a família e produzir um documentário. Em Hollywood, comenta-se que Cameron planeja uma sequência submarina para Avatar 2.

De todos os projetos milionários de submarinos bancados por bilionários, o único que parece realmente não ter nenhuma finalidade comercial é o Deepsearch, de Eric Schmidt. Dono de US$ 6,3 bilhões, ele parece seguir a trilha dos magnatas americanos do fim do século XIX. Alguns usavam parte da fortuna para criar universidades, teatros e museus. Schmidt está desembolsando US$ 40 milhões para projetar e construir o Deepsearch, o maior e mais sofisticado barco desta nova geração de minissubmarinos. Com o formato de um torpedo, terá espaço de sobra para transportar três pesquisadores e toda a parafernália científica de que precisarem para explorar o fundo do mar. O Deepsearch é um projeto da oceanógrafa americana Sylvia Earle, mundialmente conhecida por sua luta pela defesa do meio ambiente marinho. O dinheiro de Schmidt também será usado para construir um navio de apoio ao Deepsearch, cuja finalidade não será nem turismo nem lazer, mas ciência. Ou talvez um dia o Challenger Deep apareça no Google Street View, serviço que mostra imagens reais de lugares da Terra.

Há ainda um quarto competidor. Na Flórida, a empresa Triton Subs está projetando um submarino de design espacial, o Triton 36.000. O desafio tecnológico é modelar uma esfera de vidro ultraespesso e hiper-resistente de 4,1 metros de diâmetro, que leve em segurança três pessoas – um piloto e dois passageiros – até o Challenger Deep. A Triton Subs diz em seu site já ter fechado a venda de duas unidades por US$ 15 milhões cada uma. Os compradores são dois bilionários, cujas identidades não foram reveladas. Um deles deverá usar o veículo para o próprio lazer. O outro vai vender passagens. Cada assento custará US$ 250 mil, mesmo preço do Virgin Oceanic. Quem está na fila para o voo orbital em 2012 já tem um novo programa para as férias seguintes.

Gerson Mora

Gerson Mora

 

Revista ÉPOCA – Ciência e Tecnologia

A melhor pegada ecológica

Teresa Perosa

Divulgação

O designer Mário Pereira, de 39 anos, queria ser voluntário em um projeto social para melhorar a vida das pessoas de sua cidade, Novo Hamburgo, a 45 quilômetros de Porto Alegre. Em 2000, Pereira fez como a maioria de nós quando quer ser solidária: começou a arrecadar brinquedos e roupas para doar em ocasiões especiais, como o Dia das Crianças e o Natal. Quem ganhava os brinquedos eram crianças da Vila Getúlio Vargas, um bairro da periferia de Novo Hamburgo.

As doações evoluíram. Incorporaram a distribuição mensal de um sopão para pessoas da comunidade e aulas de futebol para a criançada. Mas Pereira e um grupo de amigos envolvido nas atividades perceberam que a iniciativa não era suficiente para fazer diferença na vida daquelas pessoas. Um dos garotos, com quem Pereira jogava bola na escolinha de futebol, foi preso. Ele havia matado um empresário em uma tentativa de assalto. “Descobrimos que ele estava viciado em drogas e, para sustentar o vício, começou a roubar”, diz Pereira. “Entendemos que só dar comida e roupa não melhoraria a vida deles. A gente tinha de tirar aquela molecada da rua e colocá-la sob uma estrutura que ensinasse coisas boas.”

A estrutura pensada por Pereira e seus amigos tomou a forma de uma organização não governamental, o Instituto Villaget, criado em 2004. Lá, jovens entre 14 e 18 anos encontram atividades para mantê-los longe das ruas, como aulas de dança e teatro. Mas o principal objetivo do Instituto Villaget vai além de oferecer opções de recreação. O núcleo conta com um centro de capacitação para ensinar aos jovens uma profissão. “A ideia é que, ao aprender uma profissão, eles terão o rumo da vida em suas mãos”, diz Pereira. Como a fabricação de calçados sustenta parte importante da economia de Novo Hamburgo, o Instituto Villaget decidiu preparar os jovens para trabalhar nessa área. Lá, eles aprendem a desenhar e fabricar calçados. Assim, ao deixar a ONG, têm qualificação para encontrar emprego facilmente no mercado de trabalho da região. Cerca de 60 jovens já passaram pelo curso do Villaget.

As aulas são diárias. Nelas, os adolescentes aprendem todo o processo de fabricação de calçados, do corte e costura à montagem do produto. O curso dura quatro anos. Quando formados, os jovens podem fazer parte da cooperativa montada por alunos que já deixaram o Villaget, chamada Cooperget. A cooperativa, que fabrica calçados, mochilas e carteiras, foi formada há um ano e meio por sete jovens. A produção é vendida em Novo Hamburgo, Porto Alegre, São Paulo e Vitória. Por mês, são fabricados cerca de 200 pares de tênis e 50 mochilas, que chegam às lojas custando R$ 44,90 e R$ 39,90 respectivamente.

Ricardo Jaeger/ÉPOCA

NA MODA
O designer gaúcho Mário Pereira, ao centro, e os integrantes da Cooperget. Eles usam materiais reciclados para produzir tênis

A produção deverá aumentar em breve porque a Cooperget fechou novas parcerias na feira mais importante do setor calçadista no país, a Francal, realizada em junho, em São Paulo. Os jovens viajaram para expor a marca. “Eu nunca tinha andado de avião”, diz Indiara Martins, de 19 anos, uma das integrantes da cooperativa. “Parece pequeno para quem olha de fora, mas a gente vê quanto o projeto cresceu. É muito empolgante pensar que estou participando disso tudo.” Indiara começou na produção da Cooperget e agora já cuida da contabilidade: entrada de capital, controle de custos e pagamentos. Os salários dos integrantes variam entre R$ 300 e R$ 600, dependendo de quanto tempo cada um tem na cooperativa.

Atentos às necessidades do mercado, os jovens perceberam que investir no uso de materiais reciclados seria uma maneira de baratear os custos e de atrair a atenção de um público cada vez mais exigente com a conservação do planeta. Os jovens da Cooperget aproveitaram a experiência de Pereira, que em seu próprio trabalho produz tênis com materiais ecologicamente corretos, para fazer o mesmo com os produtos da marca. Os tênis e as mochilas são fabricados com lona reciclada, feita a partir das sobras de tecido de confecções, e lona de PET, feita com garrafas de plástico. Outros materiais entram também na produção de carteiras e capas para laptop, como vários tipos de laminados. Alguns são feitos com couro, madeira ou borracha natural e biodegradável, produzida com látex da seringueira.

A Cooperget tem planos para aumentar sua produção e levar a experiência para outras comunidades carentes. Dois novos polos de produção deverão ser abertos, ambos em Novo Hamburgo: um com jovens de baixa renda do bairro Santo Afonso e o outro com mulheres desempregadas da Associação Reciclando. “O objetivo da ONG é justamente este: formar líderes empreendedores e promover o desenvolvimento social”, diz Pereira. Para Paulo César Model, consultor técnico do Instituto Brasileiro de Tecnologia do Couro, Calçado e Artefatos, em Novo Hamburgo, que conhece há cinco anos o trabalho da ONG, o sucesso do projeto é sem precedentes na região. “Muitos desses guris estariam na marginalidade se não fosse o Villaget.”

Revista ÉPOCA – Ciência e Tecnologia

O computador pessoal, ou PC, completa 30 anos

   Divulgação

BALZAQUIANO
O computador completa 30 anos. Logo que nasceu ele era 32 mil vezes menos potente que um iPhone 4 hoje. Muito mudou de lá para cá

Nesta sexta-feira (12), o computador de mesa, popularmente conhecido como PC, completa seu 30º aniversário. Há exatos 30 anos, o primeiro computador pessoal era utilizado. Desde então, muito mudou, o PC praticamente deu espaço para os tablets e laptops, mas não deixa de ter sido o precursor e revolucionador da informática. O primeiro PC, da IBM, tinha memória RAM de 16KB apenas - um iPhone 4, hoje, tem capacidade 32 mil vezes superior -, não tinha disco rígido e vinha sem a tela.

Foi em 12 de agosto de 1981 que a IBM divulgou, no hotel Waldorf Astoria de Nova York, o famoso 5150 PC, que representou uma mudança de paradigma no setor ao se projetado em um tempo recorde graças ao uso de componentes de diferentes companhias. A necessidade de se adiantar frente a rivais como Apple, que estrearam seus protótipos nos anos 1970, levou a IBM apostar por tercerizar os sistemas a empresas como Intel e Microsoft, em vez de investir em seu desenvolvimento. Um modelo de fabricação que foi padronizado a partir de então.

A versão básica do primeiro PC (personal computer) chegou no mercado custando US$ 1.565. Em 1982, um ano depois do lançamento do PC, a Compaq (então Texas Instruments) apresentou o primeiro computador portátil, que também utilizou processadores da Intel e software da Microsoft, e que em apenas 12 meses vendeu 53 mil unidades, cada uma pesando 13 quilos.

O plano de negócio da IBM estimava vendas de 240 mil exemplares de seus PC entre 1981 e 1986, mas o sucesso de seu 5150, que alcançou esse número no primeiro ano, superou as expectativas e originou um boom comercial que acelerou a chegada da informática para os home offices.

Hoje, mesmo com o declínio dos PCs, nos EUA ainda há cerca de um computador pessoal por pessoa. AInda assim, no primeiro trimestre do ano se comercializaram 4,4% a menos de PCs comparado ao mesmo período de 2010, segundo dados da empresa de pesquisa de mercado IDC. Em artigo publicado nesta semana no blog "Building a Smart Planet", intitulado "IBM Leads the Way in the Post-PC Era", o diretor tecnológico da IBM para o Oriente Médio e África, Mark Dean, manifestou que 30 anos após trabalhar no primeiro PC, esses aparelhos ficaram defasados.

"Estou orgulhoso que a IBM decidisse abandonar o negócio dos computadores pessoais em 2005 e vendesse nossa divisão da PC para Lenovo", disse Dean. "Quando ajudei a projetar o PC nunca pensei que viveria o suficiente para ser testemunha de sua queda, mas apesar disso, os PCs continuarão sendo muito usados, vão seguir o mesmo caminho que a máquina de escrever e os discos de vinil", afirmou o engenheiro.

"Meu computador principal agora é um tablet", disse Dean, que prevê que o futuro da tecnologia vai além dos PCs, tablets e dos smartphones. "Está ficando claro que a inovação cresce melhor não nos dispositivos, mas nos espaços sociais que há entre eles, onde as pessoas e as ideias se encontram e interagem. É aí onde a computação pode ter o impacto mais poderoso", afirmou.

Revista ÉPOCA – Ciência e Tecnologia

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Sonda detecta fluxo de água em Marte

Estruturas no solo seriam formadas por água corrente, diz estudo. Descoberta é o mais perto que se chegou de detectar água líquida.

A sonda espacial Mars Reconnaissance Orbiter (MRO) encontrou evidências de que água corre em Marte durante períodos de calor, divulgou a agência espacial americana (Nasa) nesta quinta-feira (4) em um estudo publicado na revista especializada Science.

As fotografias mostram estruturas escuras e compridas no solo marciano durante a primavera e o verão do planeta. No inverno, elas desaparecem e retornam na primavera seguinte.

"A melhor explicação até agora é o fluxo de água salgada", afirma o líder do grupo que estudou as imagens, Alfred McEwen, da Universidade do Arizona.

De acordo com os pesquisadores, o fluxo de água explica a formação das estruturas. Se ela for salgada, explica por que congela mais tarde do que seria esperado. Água pura congelaria na temperatura local, mesmo no verão. A descoberta é o mais perto que os cientistas já chegaram de encontrar água líquida no planeta. Água congelada foi detectada perto da superfície em diversos pontos.

"O programa de exploração de Marte da Nasa continua nos trazendo mais perto de determinar se o planeta vermelho pode abrigar alguma forma de vida", disse o administrador da agência, Charles Bolden. (Portal G1, O Globo)

Jornal da Ciência

terça-feira, 2 de agosto de 2011

CIÊNCIA E CÓDIGO FLORESTAL - Resposta à Matéria Postada em Julho 20, 2011 – “Ciência de Apenas Um Estudo Baseou Alterações No Código Florestal”

“Ciência de apenas um estudo baseou alterações no Código Florestal”

Clique aqui para ler toda a Matéria Inteira

Esclarecimentos do autor do estudo:

No dia 15 de julho de 2011, apresentei uma palestra na 63a Reunião da SBPC, em Goiânia. Ela se intitulava “Novas Geotecnologias e o Ordenamento Territorial”, e minha intenção era apresentar poderosas ferramentas tecnológicas, hoje disponíveis para o mapeamento de terrenos. Mapeamentos acurados de terrenos são ingredientes básicos necessários para orientar o ordenamento territorial. E de fato ocupei mais da metade do tempo da palestra apresentando tais tecnologias e suas aplicações, que tem o potencial de resolver os falsos dilemas entre agricultura e conservação. Essa palestra ilustrou o que foi apresentado no Anexo I do livro O Código Florestal e a Ciência publicado pela SBPC e ABC em abril deste ano (Novas tecnologias geoespaciais para apoiar o ordenamento territorial, I aqui, II aqui, III aqui, IV aqui e V aqui). A cobertura jornalística simplesmente ignorou essa parte mais importante e cerne da minha apresentação. Ao invés, o jornalista focou de modo lamentavelmente sensacionalista na última parte da apresentação.

Porque então incluí no final da palestra as críticas ao estudo do grupo de Evaristo Miranda? Achei pertinente ao diálogo e ao interesse da Nação agregar à minha apresentação uma análise acessória que havíamos feito das áreas ripárias, de acordo com o prescrito pelo código florestal. Nesta análise, empregamos método inovador para localizar os terrenos brejosos (publicado em Nobre et al, 2011 aqui e Rennó et al, 2008 aqui), e agregamos uma abordagem nova, capaz de determinar onde estariam as faixas ripárias definidas pelo Código Florestal. Adicionamos uma variante destas medidas com a avaliação do impacto em área decorrente da redução de 30 m para 15 m nas faixas ripárias para rios até 5 m de largura (uma proposição que existia numa das versões do substitutivo Aldo Rebelo). E para terminar, procuramos simular o método empregado no estudo de Miranda et al (2008) para determinar áreas ocupadas com APP ripária. A forma como apresentei esta ultima parte privilegiou a apresentação dos métodos e dos números, mas não poupou críticas diretas ao estudo de Miranda e a forma como vejo suas conseqüências para as alterações propostas no Código Florestal. E foi nestes poucos momentos dedicados às comparações com o estudo de Miranda que o foco da matéria foi colocado. Apesar de todas as criticas formuladas terem embasamento científico, ainda a melhor crítica sempre sai do embate de números propriamente qualificados.

Embora a apresentação como fora feita passasse uma mensagem completa, com ênfase na parte propositiva de entrada, e uma pequena análise crítica no final, infelizmente as críticas ao trabalho Miranda et al (2008) acabaram inchadas na retratação jornalística. Então agrego aqui algumas explicações adicionais àquela crítica, na esperança que surtam o efeito saudável de trazer o principal à luz do diálogo, e também que possamos olhar para a frente, deixando para a história o registro do que passou. No diálogo, diferente do debate ou do embate, não existem vencedores ou perdedores. Se soubermos escutar, e colocarmos nossos pontos de vista com respeito e consideração, todos ganham.

1) É inegável que o trabalho de Miranda teve grande impacto no andamento das discussões do Código Florestal, e isso é mérito dele, de sua equipe e de seu estudo pioneiro pela abrangência. O que o Brasil precisa é que os avanços da ciência iluminem a discussão para além do que Miranda et al (2008) fizeram, e isso infelizmente não tem ocorrido, daí minhas críticas. Vale registrar que no próprio trabalho de Miranda et al (2008) encontram-se várias menções a necessidade de progresso nas análises, e que aquelas eram análises iniciais, que seriam feitas atualizações. Que eu saiba não houveram atualizações daquele grupo. O que fizemos foi seguir essa proposta, de buscar aperfeiçoamentos. E muitos outros estudos, listados em parte na revisão feita pela SBPC e ABC (aqui), já avançaram para além do que fora feito no estudo de Miranda et al (2008). No entanto não estão sendo considerados no âmbito das discussões sobre o Código Florestal no Congresso.

2) Nosso trabalho de avaliação das áreas ripárias está em preparação para publicação, e é baseado em método já publicado (Nobre et al 2011 e Rennó et al 2008). É comum que congressos científicos prestem-se como fóruns avançados para apresentação dos mais novos resultados de pesquisa, inclusive aqueles de pesquisa em desenvolvimento ou no prelo. A apresentação em meio científico demonstra abertura e convida para crítica dos pares. E não menos importante, informa a sociedade em tempo hábil, já que o processo de publicação em revistas cientificas é normalmente lento, podendo demorar varios meses.

3) - Em 2011 - a crítica que fiz na palestra refere-se a um trabalho - terminado em 2008 - (Miranda et al) e ainda não devidamente publicado - em 2011- (em revista com corpo editorial em geociências). O fundamento desta crítica tem a ver com a inexplicável omissão de partes importantes da metodologia empregada por Miranda et al (2008), uma ausência somente possível em trabalhos não publicados, já que em geral as revistas científicas exigem metodologia claramente descrita e completa.

4) Elaborei critica qualificada sobre a deficiência de uma metodologia no trabalho de Miranda et al (2008) (cômputo de áreas ripárias), algo que estudamos em detalhe. Miranda et al podem aproveitar essa nossa critica de forma construtiva, revendo seus números. O próprio trabalho deles é preliminarmente bastante crítico quanto as dificuldades metodológicas. Críticas a métodos é pratica comum em ciência, não deveria ser motivo de ofensa e sim deveriam ser aproveitadas para aperfeiçoamentos.

5) A competência efetiva de um número integrador, como o anunciado por Miranda et al em 2008 para a área total indisponível para atividades agrícolas no Brasil (71%) somente se faz pela competência e acerto das partes componentes, que somadas o compõem. Nós examinamos em detalhe um dos principais números componentes do montante por ele anunciado (APP ripária), e constatamos no número dele uma inflação de mais de 300% em relação ao número produzido com método mais aperfeiçoado, calibrado e verificado. Se levarmos esse achado em conta e voltarmos agora ao número integrador, teremos que reduzi-lo, para contabilizar a área menor ocupada por APP ripária. Esse erro signficativo nas áreas ripárias levanta dúvidas sobre métodos empregados para chegar aos demais números que compõem o total integrador daquele estudo.

6) Como a tecnologia para detectar o erro no cálculo das APPs ripárias estava ao alcance de Miranda et al (2008) [imagens de radar SRTM + algoritmo de delineação automática de cursos d’água disponível no ArcInfo + verificação em alguma area teste], e como Miranda et al (2008) até o momento parece não haver se submetido ao crivo de pares para a verificação saudável em ciência, então Miranda et al (2008) tornaram-se cientificamente vulneráveis a críticas como estas. A crítica feita por nosso trabalho não desqualifica o trabalho a priori, ou de forma subjetiva, mas reporta teste independente e substanciado. Como esse estudo em especial tem tido grande influência sobre aspectos vitais das alterações propostas para o Código Florestal, torna-se sua validade ainda mais importante para todos. Outros grupos tem testado outros aspectos do extenso estudo de Miranda et al, e a controvérsia que levanta não é nova.

7) Não obstante, é preciso dar crédito pela iniciativa pioneira em abrangência que representou o estudo do grupo de Evaristo Miranda. É algo vital para uma Nação saber de suas terras, esse conhecimento geoespacial é pré-requisito para a utilização inteligente e responsável de suas paisagens. O estudo deles despertou muitos grupos para a necessidade de mensurarmos nossos recursos, de forma cada vez mais elaborada. E também mostrou a importância e o efeito da ciência engajar-se no debate político. Toda vez que a ciência tiver certeza sobre seus números, ela poderia e deveria a meu ver colocá-los a disposição da sociedade, da forma mais objetiva e neutra possivel. E quando não tiver certeza, os números deveriam ser apresentados com todas as ressalvas que previnissem usos equivocados.

A proposta que fazemos é avançarmos como Nação, utilizando a melhor tecnologia disponível para um mapeamento competente de terrenos, que sirva efetivamente para um ordenamento territorial responsável e inteligente. A ciência tem ferramentas e métodos provados por mais de 500 anos de desenvolvimentos e aperfeiçoamentos contínuos. Da sua adoção sem reservas o Brasil tem lucrado muito em várias áreas críticas para a economia, como no próprio agronegócio. Podemos e precisamos dar um salto qualitativo que nos colocará numa liderança do século 21, através de uma agricultura produtiva e sustentável, sinergisticamente associada à nova economia dos serviços ambientais de ecossistemas naturais. Ninguém discorda destas metas, mas precisamos superar o presente rachado entre os opostos entrincheirados na agricultura ou na conservação ambiental. Eu não quis contribuir para o racha, embora a má qualidade da cobertura jornalística de minha palestra possa ter indicado o contrario. Sem melindres, gostaria de entabular um diálogo científico sério com Evaristo Miranda e seu grupo. As revistas científicas são o fórum apropriado para este diálogo. O Brasil agradecerá.

Postado por Antonio Donato Nobre

----- Original Message -----

From: Luiz Eduardo

Sent: quarta-feira, 20 de julho de 2011 16:57

Subject: [agrisustentavel] Ciência e Código Florestal

http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=78473